O texto que se segue é da autoria do Francisco Teixeira da Mota e foi publicado esta semana na sua coluna semanal "Escrever Direito" do jornal Público. É sobre um tema muito interessante - a evolução legal e social do princípio da igualdade, a partir da questão da segregação racial nos Estados Unidos - escrito por uma das pessoas que, em Portugal, melhor conhece o sistema judicial americano.
No final do artigo está o link para um artigo muito bom da autoria de António Araújo (publicado no blog malomil), que conta a história de Ruby Bridges, uma menina negra que, no início da década de 60, com 6 anos de idade, foi uma das primeiras a frequentar uma escola só de brancos, na cidade de Nova Orleães, no Lousiana, bem no Sul dos EUA. No artigo, a história da menina mistura-se com a do pintor Norman Rockwell e do quadro que
pintou da pequena Ruby a ser escoltada, no caminho para a escola, por 4 agentes federais. Curiosamente, na altura, Rockwell nem sabia o nome da pequena Ruby, pois apesar de a sua história ter sido muito noticiada nos jornais da época, o seu nome foi sempre omitido. Vale muito a pena ler. Fica a sugestão!
"Homer Plessy, um cidadão norte-americano mestiço, em 1892 comprou um bilhete de comboio em primeira classe de New Orleans
para Covington. Entrou para uma carruagem só para brancos e, quando foi
instado a sair da carruagem e a sentar-se na carruagem que era destinada às pessoas de cor,
recusou-se a fazê-lo pelo que foi detido por
violação da lei.
Plessy bem sabia que estava a violar a lei, fazia-o por não concordar com a mesma. Levado a julgamento, invocou em
seu favor a 13.ª e a 14.ª Emenda, que, entre outras coisa e respectivamente, proíbem a escravatura e asseguram a igualdade de
todos os cidadãos perante a lei. O juiz que o julgou, John Ferguson considerou, no
entanto, que o estado da Louisiana tinha todo o direito de legislar sobre o
funcionamento dos comboios que operavam dentro do estado e condenou-o no
pagamento de uma multa de 25 dólares. Plessy levou o caso ao Supremo Tribunal que veio a julgar o caso
Plessy v. Ferguson em 1896 numa decisão com 7 votos a favor e um contra.
O Supremo Tribunal considerou que uma lei que reconhecia a diferença nas cores “não tinha uma tendência para destruir a igualdade entre as duas raças”. Mais afirmou que a garantia de igualdade assegurada pela 14.ª Emenda não obrigava a “uma igualdade social,
distinta da igualdade politica, ou a uma mistura das raças em termos insatisfatórios para ambas”. Para o Supremo Tribunal, não violava o constitucional princípio da igualdade, uma lei
que impunha o princípio “separados, mas iguais”; no fundo, as carruagens para as pessoas de cor deviam era
ter a mesma qualidade das carruagens para os brancos. Era o que a lei previa, pelo que Plessy não tinha razão e a lei do estado de
Lousiana manteve-se em vigor.
Não só se manteve em vigor como a
decisão do Supremo Tribunal
incentivou numerosos estados norte-americanos a produzirem legislação segregacionista aos mais
diversos níveis: nas escolas, nas casa de banho ou nos cafés, sempre respeitando teoricamente o princípio “separados, mas iguais” mesmo quando, na prática, a qualidade das
instalações para brancos e para
negros apresentava abissais diferenças.
Em 1938, no caso Missouri ex rel. Gaines v. Canada, o Supremo Tribunal, alargou a aplicação prática do
princípio da igualdade, ao
introduzir uma mudança na doutrina de “separados, mas iguais”. Concretamente, obrigou o estado do Missouri a aceitar um estudante negro
numa universidade só para brancos, já que não havia uma universidade só para negros naquele estado. Para o Supremo Tribunal, a
oferta do estado do Missouri de suportar as despesas dos estudos do estudante
negro numa universidade para negros fora do Missouri, violava o princípio da igualdade.
Mas o princípio da igualdade constitucionalmente
consagrado só viria a sofrer uma
profunda revolução em 1954, no caso Brown v.
Board of Education.
No Outono de 1951, numa acção concertada na cidade de Topeka no Kansas, vários pais de alunos liceais negros, inscreveram os filhos em escolas só para brancos e viram-nos
recambiados para as escolas só para negros. Recorreram para o tribunal, alegando que as
escolas para negros não eram iguais às escolas para brancos, nem nunca o poderiam ser, estando a ser violado o
princípio da igualdade mas o
tribunal estadual deu razão ao ministério da educação. Segundo o tribunal, as escolas para negros eram “substancialmente iguais” às escolas para brancos pelo que a lei que as suportava era constitucional já que respeitava a “doutrina Plessy” acima referida.
Recorreram então para o Supremo Tribunal,
advogando a sua causa o notável Thurgood Marshall que viria a ser o primeiro juiz negro do Supremo
Tribunal norte-americano. A decisão foi unânime: a segregação racial nas escolas públicas violava a igualdade prevista na 14.º Emenda constitucional.
A educação pública no século XX, segundo o Supremo
Tribunal, era uma componente essencial da vida pública de qualquer cidadão, formando a base da cidadania democrática, da normal sociabilização e do treino profissional.
Neste contexto, qualquer criança a quem fosse negado o direito a uma boa educação, provavelmente seria um falhado na vida.
Para o Supremo Tribunal de 1954, mesmo que as instalações escolares para negros e brancos fossem
substancialmente iguais, ainda assim havia violação do princípio da igualdade já que a mera separação das crianças com base na raça criava perigosos complexos de inferioridade com consequências lamentáveis para as crianças, nomeadamente na sua
capacidade de aprendizagem. Instalações escolares separadas entre brancos e negros eram
"inerentemente desiguais".
Entre 1896 e 1954, o texto constitucional permaneceu igual mas a igualdade
mudou...
Se quer ler e ver uma história fascinante das consequências do caso Brown v. Board of Education, não hesite e vá a
http://malomil.blogspot.pt/2012/06/ruby-bridges-visits-with-president-and.html
E aqui fica o link para o artigo do Teixeira da Mota no Público:
http://www.publico.pt/mundo/noticia/a-evolucao-do-principio-da-igualdade-nos-eua-1639670